21.2.14

A Venezuela que a mídia e a elite querem varrer do mapa


Para início de conversa é bom deixar explícito que não há nada que seja 100% bom ou ruim. Aliás, nem esta frase é totalmente verdade. Na vida, em todos os seus campos, há pontos de vistas, interesses, e conjunturas que determinam a posição que assumimos sobre os fatos.

Estive na Venezuela durante as duas últimas eleições presidenciais, a que reelegeu Hugo Chávez, em outubro de 2012, e a que elegeu Nicolás Maduro, em 2013. Andei por muitos lugares e pude ver alguns dos êxitos da sociedade venezuelana e também os problemas que a aflige. Leia sobre a cobertura das eleições no ComunicaSul

A oportunidade de ir à Venezuela me trouxe uma indignação profunda com relação ao tipo de cobertura jornalística que a mídia internacional, mas em particular a brasileira, faz do que acontece naquele país.

Classificado pela mídia como ditadura, regime autoritário e tendo seus governantes sempre adjetivados a partir deste juízo, a Venezuela é noticiada no Brasil como um país sem liberdades democráticas de qualquer tipo. Será?

Não foi o que eu vi. Eu vi um país que passa periodicamente por eleições para todas as esferas de poder, com forte presença de partidos de oposição – e que inclusive elegem governadores de estados e parlamentares.

Eu vi um país que enfrentou de forma decidida problemas sociais crônicos tão conhecidos dos países da América Latina: analfabetismo, falta de acesso à atenção básica em saúde, falta de saneamento básico, moradia e outras infraestruturas urbanas para garantir uma vida digna. Os índices sociais da Venezuela em praticamente todas as áreas tiveram uma melhora significativa nos últimos 15 anos. Nenhum jornal brasileiro noticiou isso. Para ver os dados socio-econômicos da Venezuela e de outros países acesse o relatório 2013 da Cepal -Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU. 

Eu vi, também, um país no qual os maiores e principais jornais diários estão nas mãos da iniciativa privada e têm uma linha editorial francamente oposicionista. Na Venezuela também há jornais diários que apoiam o governo. O mesmo acontece na radiodifusão. Há cadeias de TV claramente de oposição – e pasmem, ao contrário do que dizem por aqui são as maiores e de maior penetração) e há, também, um sistema de televisão que apoia declaradamente o governo. E aqui, não estou reproduzindo algo que me disseram. Eu vi. Comprei todos os dias jornais nas bancas de revistas (eram vários) em campanha aberta contra o chavismo. Na TV, o canal Globovisión tinha quase 24 horas da sua programação dedicada a Capriles.

Este é um cenário impensável para o Brasil e por isso é difícil de ser compreendido aqui. Afinal, os meios de comunicação não deveriam ser imparciais?? Esta é a imagem auto-construída pela mídia brasileira. Nada mais nefasto para uma democracia, já que no fundo todos os veículos de comunicação têm uma linha editorial, pode ser disfarçada, mas tem. E fazer jornalismo dizendo que ele é a reprodução fiel e neutra dos fatos é um desserviço à sociedade.

A pluralidade informativa e de opiniões na mídia contribuiu para que a população na Venezuela tenha um elevado nível de consciência política e uma posição sobre os rumos do país. Poucos se sentem apáticos e é grande a participação seja para ampliar as fileiras da oposição, seja para defender o governo.

São estas conquistas e a possibilidade de um país optar por um caminho que privilegie a redução das desigualdades e a soberania nacional que a elite internacional e seus porta-vozes querem varrer do mapa. Por isso, a lupa com a qual eles olham a Venezuela e o acento que eles dão a cobertura precisa ser a mais negativa possível.

Não digo, com isso, que a Venezuela seja um paraíso ou um mar de rosas. Pelo contrário. É um país no qual os conflitos políticos estão escancarados e que passa por profundos problemas econômicos.

E como analisar os últimos acontecimentos

Não há um fenômeno novo no que está em curso estes dias na Venezuela. Desde que Chávez morreu, a oposição e a elite econômica do país viram uma oportunidade ímpar para recrudescer sua mobilização e tentar por um ponto final no governo bolivariano. Sem o carisma e a liderança de Chávez, a oposição avaliou que seria mais fácil uma vitória nas eleições.

De fato, a eleição de Maduro, em abril de 2013, se deu por uma pequena margem de votos. Várias podem ser as análises para explicar o resultado eleitoral, eu destaco que a oposição ao sentir que a possibilidade de vitória era maior se mobilizou mais e compareceu em peso às urnas. De outro lado, uma parte dos venezuelanos que apoiam o governo não se sentiu tão mobilizada – seja por achar que a eleição já estava ganha com grande vantagem, seja por haver aqueles que não creditavam em Maduro as qualidades necessárias para dar continuidade ao legado de Chávez e, por isso, resolveram não comparecer ao pleito.

Seja como for, Maduro se reelegeu, mas claro que a oposição, apesar de derrotada nas urnas, se viu mais forte para dar continuidade a um movimento que pudesse levar à queda de Maduro. Tentaram o argumento da fraude eleitoral, um erro tático ao meu ver, já que o sistema de eleições na Venezuela têm muitos nós de controle e para não dizer que é impossível, é muito difícil de ser fraudada. Assista à entrevista sobre como funciona a votação na Venezuela

O governo estava ciente que o seu principal desafio, no entanto, não era enfrentar a oposição, mas a crise econômica. A inflação fechou 2013 em 56% e isso afeta toda a economia. Maduro tem anunciado medidas para conter a crise e estimular a economia. Em dezembro, anunciou um pacote com 6 medidas emergênciais: o controle de preços e do câmbio; liberação de recursos para o setor produtivo; criação de uma corporação para transporte de produtos; operações cívico-militares para fiscalizar a especulação financeira; e programas para promover a poupança.

A que foi amplamente alardeada no Brasil foi o controle dos preços e a definição de um limite para o lucro das empresas privadas. A medida foi mais um golpe importante contra a elite econômica na Venezuela e, também, desagradou as empresas estrangeiras que atuam no país. Isso elevou a tensão interna e motivou a nova onda de mobilizações no país.

Segundo a cobertura da mídia brasileira sobre as mais recentes manifestações os “franco-atiradores” são membros de milícias bolivarianas e os mortos nos conflitos (ninguém até agora foi morto pela polícia, que se diga) foram, todos vítimas do governo de Maduro. Mas como eles podem afirmar isso com tanta certeza. Só quem ganha com a violência é a oposição e o governo e seus seguidores sabem muito bem disso.

A oposição – que estava dividida em digamos um setor mais radical representado por Leopoldo López e a outra mais moderada liderada por Henrique Capriles – pode se unificar caso López seja condenado. Isso deixa Maduro e o governo bolivariano com um dilema nada simples de resolver para o cenário político interno e externo. Libertar López pode demonstrar internamente uma fraqueza do governo e uma vitória da oposição. Por outro lado, condená-lo pode unificar a oposição e dar um pretexto para que agentes internacionais ampliem a ofensiva contra o país.

Maduro tem dados várias declarações dizendo que está aberto ao diálogo. Chegou a convidar os líderes dos protestos estudantis para uma reunião em Miraflores, que não atenderam ao chamado.

Enquanto isso, a oposição estimula a violência para enfraquecer a imagem e a liderança de Maduro com o claro objetivo derrubá-lo. O golpismo é uma marca forte da oposição e já foi o caminho escolhido para derrubar Chávez em outros momentos. O governo tem que ter cautela e não pode aceitar provocação.

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